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Foto: Janaína Pepeu/Secom |
O evento promovido com jeito de campanha para a reeleição do prefeito João Campos (PSB) e repleto de bons anúncios de programas do Governo Federal foi “sequestrado” por pelo menos dois mil profissionais de enfermagem, em sua maioria técnicos e auxiliares. Nas arquibancadas do Geraldão – vitrine da gestão municipal do PSB -, a categoria mobilizada por dois sindicatos roubou a cena e deu o tom da cerimônia, cobrando do presidente, do prefeito João Campos e da governadora Raquel Lyra o pagamento do piso salarial da categoria, em greve há 12 dias. Os protestos não cessaram nem mesmo durante o discurso de Lula.
“Ô, Lula, cadê você, assina logo a MP” e “Respeita a enfermagem” foi o que mais se ouviu no ginásio. Mas, quando chegou a vez de Raquel Lyra (PSDB) falar, pouco antes do presidente, a enfermagem em peso vaiou. E sem parar. Foram vários minutos seguidos de vaias, todo o discurso, com enfermeiros e enfermeiras vaiando e de costas para o palco. O MST até tentou puxar aplausos, mas foi sufocado. Raquel apelou iniciando o discurso com um “viva” para políticos que ajudaram a construir a democracia no Brasil. Até Eduardo Campos, do PSB, pai do adversário político João Campos, ela mencionou.
Lula bem que tentou apaziguar os ânimos se posicionando ao lado da governadora – como fez com sucesso durante a campanha para dar suporte ao então candidato Danilo Cabral (PSB). Desta vez, não teve efeito algum. Lula não silenciou o Geraldão. A governadora também não se calou e não fez nenhum aceno de negociação para a categoria. Ao final do discurso, disse que iria “trabalhar por vocês e para vocês”, citando “aqueles que estão de costas” como se ainda fosse candidata e não estivesse há quase três meses como governadora.
Ao assumir o microfone, às 19h20min, mais de quatro cansativas horas depois do horário anunciado, o presidente estava irritado e optou por fazer um gesto político a Raquel: “Quando vocês estavam vaiando a governadora, vocês estavam me vaiando. Ela não está aqui porque quis, mas porque foi convidada. Poderiam ter vaiado Bolsonaro nos quatro anos em que ele esteve na presidência. Temos que aprender a conviver como adversários, não como inimigos. A governadora pode ser adversária política, mas ela foi eleita e iremos respeitá-la”.
O presidente, porém, não estava falando em um evento de campanha, só entre os seus. Os protestantes não recuaram. “Uma pena que tudo que era anunciado aqui era pequeno diante da vontade de vaiar a governadora. Podem me vaiar à vontade, mas, por favor, respeitem meus convidados”, pediu o contrariado Lula, sem intimidar as arquibancadas do Geraldão, que responderam em coro: “Respeita a enfermagem!”
Demorou um tempo para que o assunto Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) surgisse com força nas falas dos ministros e outras autoridades que usaram o microfone antes de Lula. O primeiro a falar, por exemplo, foi o ministro chefe da Secretaria Geral, Márcio Macedo (PT), que tratou logo de tentar acalmar o pessoal da enfermagem, com um discurso apaziguador: “Como deputado federal, votei a favor do piso. O presidente Lula tem compromisso, a equipe da saúde está trabalhando e a Casa Civil está trabalhando junto com o STF para que, muito breve, o presidente possa assinar a MP do piso”. Não adiantou, como se viu depois.
Àquela altura, a secretária estadual de Saúde, Zilda Cavalcanti e a vice-governadora Priscila Krause (Cidadania) já tinham recebido suas fartas cotas de vaias.
A tal Medida Provisória para a enfermagem se tornou necessária depois que o ministro do STF, Luís Roberto Barroso, suspendeu a obrigatoriedade de pagamento do piso aprovado em agosto de 2002 e condicionou sua implantação à regulamentação da origem dos recursos financeiros que sustentarão o aumento dos salários. É exatamente uma MP com esse conteúdo que está sendo cobrada de Lula.
Após o evento, já na saída do Gerladão, presidente do Sindicato Profissional dos Auxiliares e Técnicos de Enfermagem em Pernambuco (Satenpe), Francis Hebert, afirmou que não engoliu o “esporro” que Lula deu em sua categoria. “O presidente foi eleito com os votos dos trabalhadores, mas hoje ele ficou contra o trabalhador, ficando ao lado da governadora que não negocia com a enfermagem. Se as coisas chegaram a esse ponto, é culpa do presidente”, disse.
Sobre a fala inflamada de Lula que disse que não era para se vaiar uma convidada, o presidente do Satenpe foi taxativo. “Ele tratou esse evento como se fosse um ato particular dele e disse que nós não fomos convidados”, reclamou Hebert, cujo sindicato é filiado à Central Única dos Trabalhadores (CUT).
E o PAA?
Em meio aos protestos, bons projetos foram anunciados em um evento que seria longo e confuso, mesmo se não tivesse contado com a participação explosiva da enfermagem. Mais de uma dúzia de pessoas falaram ao microfone. Na sua fala, o líder nacional do MST Jayme Amorim disse acreditar que o PAA resolverá “vários problemas. Um é o nosso: os agricultores vão produzir mais porque sabem que vão vender. Outro é que ter um estoque de alimentos é soberania nacional. Resolve o problema da falta de alimentos e de quem passa fome”.
Cícera Nunes, presidenta da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Pernambuco (Fetape), convidou Lula e a esposa Janja a participar da Marcha das Margaridas deste ano, além de ressaltar o papel do PAA para a população do campo: “somos milhares de agricultores e agricultoras e seguramos a alimentação desse país. E sofremos sem crédito e sem dinheiro para produzir. O PAA vai nos ajudar bastante e também para que as mulheres tenham liberdade econômica”.
Cícera aproveitou para fazer um aceno a Raquel Lyra pedindo para que seu governo invista em políticas públicas para a agricultura familiar.
Chuvas na pauta
Antes de Lula, o evento ofereceu a oportunidade para que ministros e autoridades locais pudessem mostrar serviço. O prefeito João Campos e o ministro das Cidades Jáder Barbalho Filho, por exemplo, assinaram no palco a ordem de serviço para o início das obras de contenção de encostas no Córrego do Sargento, na Linha do Tiro, zona norte do Recife. O valor de R$ 8 milhões já foi liberado hoje pelo Governo Federal e faz parte de um pacote de R$ 66 milhões anunciados para a prevenção de novas tragédias nos morros.
Em tom de campanha eleitoral, o prefeito prometeu que “para cada um real que o governo federal colocar, a prefeitura vai colocar mais um real”. O prefeito também foi vaiado pela enfermagem e, ao contrário da governadora, interrompeu o discurso, bastante incomodado com a reação da arquibancada. Mas conseguiu retomar a fala, com a ajuda de apoiadores que estavam na plateia do evento.
A ministra da Ciência e Tecnologia, Luciana Santos, assinou um acordo de cooperação com o Governo Estadual para a implantação de um sistema de monitoramento de cheias e morros. “É para evitar que eventos climáticos levem vidas”, resumiu, explicando que o sistema vai funcionar como um alerta de riscos, com monitoramento 24 horas, incluindo sensores capazes de medir a umidade das encostas em até quatro metros de profundidade. Um alerta será enviado quando a umidade dos terrenos estiver alta. “E a Defesa Civil recebe o alerta para retirar as pessoas das áreas de risco”, detalhou a ministra.
Outro ministro pernambucano, o da Pesca e Aquicultura, André de Paula também ocupou o palco, o microfone e a caneta para assinar um convênio de qualificação de pescadores e pescadoras artesanais com os reitores da UFPE e UFRPE. Além de oficinas de capacitação, os convênios têm um objetivo que interessa diretamente às famílias que vivem da pesca. “Os restaurantes universitários vão comprar a produção de peixes da pesca artesanal. São mais de 10 mil refeições diárias. É uma compra sem atravessador. Um projeto piloto que começa aqui em Pernambuco, mas vai se espalhar pelo Brasil inteiro”, resumiu André de Paula.
Marco Zero Conteúdo com redação de Inácio França