O perigo vem da Argentina

Javier Milei candidato a presidente da Argentina
Foto: ALEJANDRO PAGNI / AFP
O processo eleitoral da Argentina tem uma diferença crucial do nosso, desde o governo de Nestor Kirchner se estabeleceu as “Paso”, uma primária de voto obrigatório para escolher os candidatos à presidência daquele país. Javier Milei despontou nas prévias liderando, algo preocupante, mesmo sendo por uma pequena margem que mostra o processo dividido quase por igual entre os 3 principais candidatos.
Fruto do desgosto do eleitorado argentino com os políticos tradicionais, o polêmico e exageradamente caricato candidato da ultradireita se apresenta como uma alternativa outsider, se autointitulando “anarcocapitalista” e mantendo relações com a família Bolsonaro e outros exponentes mundiais do fascismo contemporâneo.
Ao longo da sua trajetória, foi consolidando seu dito projeto libertário, um conceito nascido na esquerda e, mais recentemente, absorvido pela direita, que consiste em abolir todos os limites da vida em sociedade. Milei propõe dolarizar a economia, e acabar com o Banco Central, uma maquete do prédio de Buenos Aires já foi explodida durante um evento de sua pré-campanha. Flerta com a pauta liberal, propondo diminuição de ministérios e privatização da educação e da saúde argentina, o que levaria a nação aos patamares de primeiro mundo, segundo o candidato. Pura ilusão…
O pós-prévias tem sinalizado uma possível desidratação de Milei, somado a um processo de mobilização da direita e da esquerda argentina, que lutam para isolar e circunscrever a um tamanho diminuto a fera que saiu do casulo. O que se passa no país vizinho não é um fato isolado, surgem nomes com características similares em vários países latino-americanos, a exemplo do Peru, Chile e Equador, ainda não expressivos eleitoralmente, mas possíveis catalizadores do descontentamento do eleitorado com os políticos tradicionais, tanto a esquerda quanto a direita.
Tudo isso aumenta a responsabilidade de governar, mas também de entender o que é mesmo gerir o Estado nos marcos do capitalismo do século XXI, com países economicamente fragilizados no pós-pandemia da Covid-19, uma guerra interminável entre Ucrânia e Rússia e todo o processo de espoliação e concentração de renda, marca do regime em que estão inseridas as principais economias do mundo.
Quando as forças progressistas assumem esses países o fazem com a responsabilidade redobrada, com o desafio da retomada da economia, da distribuição de renda e do emprego, além da consolidação dos marcos democráticos dos Estados nacionais. Tudo isso precisando ser feito numa correlação de forças adversa, vide o caso do Brasil, em que o parlamento tem maioria conservadora, e dentro das amarras de um capitalismo carcomido e que opera cada vez na perspectiva da concentração e não da distribuição de renda e retirada de direitos da maioria da população.
Daí a necessidade de somar criatividade com ações de internacionalização que dialoguem com as principais economias do mundo, ajudando os países menores ou menos pujantes da economia e estabelecendo negócios com os principais atores fora do eixo tradicional dos EUA, mas com ele também.
Os Brics ampliados são parte disso, a cúpula que ocorreu em Cuba durante esse setembro também, mas há de se buscar mais celeridade e capilaridade no combate a ultradireita no mundo, essa ameaça a democracia, a economia e ao próprio planeta. Precisa ser o inimigo em comum de todos os democratas, das eleições municipais que se avizinham, do trabalho de organização e conscientização em cada comunidade, cada bairro popular, até as eleições presidenciais de cada nação do mundo.
A Argentina é o exemplo mais recente do que a possível vitória dessas forças podem representar mundialmente, nós que vivemos isso no Brasil sabemos, fomos reféns durante quatro anos de uma agenda que atrasou em décadas a defesa do meio ambiente, da luta contra o desmatamento, dos direitos humanos, da democracia, saúde e educação. Isso afetou os brasileiros, mas também nossos vizinhos mais próximos, e até alguns mais distantes.
Derrotar Javier Milei é tarefa do povo argentino, mas não só. É tarefa dos democratas e patriotas do mundo todo. Lutemos para esmagar o ovo da serpente antes que seja chocado.
Prof. Dr. Thiago Modenesi
Doutor em Educação
Professor nos Programas de Pós-graduação em
Ciências Farmacêuticas
e Engenharia Biomédica da UFPE
Professor permanente no Mestrado em Gestão Pública
para o Desenvolvimento do Nordeste – MGP
da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE
Membro do INCT Tec Cis 4.0
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