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A decisão do governo Lula de mexer no Novo Ensino Médio (NEM) vem movimentando o noticiário e o debate sobre o tema nas últimas semanas. Aprovada como a Medida Provisória nº 746 no governo Michel Temer, tramitou de maneira acelerada até virar a Lei 13.415/17, sem nenhum debate com os vários setores que compõe a educação, como professores, estudantes, técnicos e pais. A iniciativa foi contestada e combatida pelas entidades estudantis, sindicais e afins desde o princípio. A Legislação em si veio a ser instituída em meio à pandemia do Covid-19, já no governo Bolsonaro.
Focada apenas numa espécie de empreendedorismo de baixa complexidade, envelopado num enfoque profissionalizante, o NEM retira da grade curricular horas-aula de disciplinas básicas para incluir matérias teoricamente ligadas aos interesses dos estudantes, priorizando as disciplinas de Português e Matemática, e tornando opcional praticamente todo o resto do currículo, cabendo ao aluno eleger o que quer cursar. O novo modelo é obrigatório tanto em escolas públicas quanto privadas.
As mudanças entraram parcialmente em vigor em 2022, o cronograma prevê uma implantação gradual até 2024. É consensual nas entidades que atuam no campo educacional que o Novo Ensino Médio já vem dificultando a gestão escolar, sacrificando trabalhadores da Educação, piorando a qualidade do ensino e prejudicando os estudantes em particular. A partir dessas constatações, se formou uma coalizão contra o Novo Ensino Médio, com vários atos e protestos pelo país. É uma vitória desses movimentos a consulta pública proposta pelo Ministério da Educação sobre o NEM que transcorrerá por 90 dias no primeiro semestre 2023.
Os problemas no NEM são vários, comecemos com o aumento da carga-horária anual de 800 para 1000 horas-aula, de 4 para 7 horas-aula diárias, a medida não tem amparo técnico algum, podendo acarretar uma fadiga escolar e uma sobrecarga em todos que atuam nas escolas, sejam como técnicos ou como professores, inclusive contribuindo para uma maior evasão dos nossos estudantes. A maioria das nossas escolas públicas não possuem infraestrutura para cumprir o proposto no NEM, já que precisariam de mais espaço físico para dar conta do cumprimento dos diferentes itinerários propostos, isso se agrava ainda mais nas cidades pequenas, que possuem uma ou duas escolas, não sendo possível se enquadrarem no formato proposto.
Outra questão, a que me preocupa mais, é a que o novo formato é engessado, mais técnico, o que vai aumentar ainda mais as desigualdades já existentes entre os estudantes que cursam o ensino público e os que o fazem na rede particular de ensino. Os mais pobres seriam as grandes vítimas, caso o NEM siga no formato que está proposto.
Chama a atenção também que a relativização do currículo no que tange as disciplinas mais formativas, isso contribuirá decididamente para formar um cidadão cada vez menos crítico e reflexivo, com o argumento equivocado que a escola deve formar para o trabalho. Ora, ela precisa ajudar o estudante a refletir e compreender criticamente o mundo em que está inserido!
O NEM acaba lembrando muito o que a Ditadura Militar no Brasil fez com a educação, em particular no que diz respeito ao seu enfoque no ensino de tipo profissionalizante. Antes da Ditadura as escolas públicas eram as mais concorridas, disputadas pela população, pelo ensino de qualidade que ofereciam. O regime desmontou isso, precarizando nossas escolas, incentivando o ensino fundamental e médio privado, com as mais variadas medidas legislativas e econômicas, criando uma clivagem social que descambou para a elitização do acesso ao ensino superior.
A educação na Ditadura era pensada na lógica que aos pobres cabia no máximo o Ensino Médio, para tanto incentivaram o fortalecimento de cursos técnicos de cunho prático para a formação de mão de obra barata. As universidades deveriam ser ocupadas pelas elites, e não por todos, ao menos na lógica deles.
O pós-ditadura se empenhou no resgate da escola pública, gratuita e de qualidade, em particular nos dois primeiros governos do presidente Lula. É do período da Constituição de 1988 em diante a definição das verbas constitucionais para a Educação, criação de fundos e dispositivos legais de incentivo as escolas e ao ensino público, escolas em tempo integral, mudanças curriculares, volta do ensino de Filosofia e Sociologia e o piso salarial dos professores.
Para tudo isso acontecer foi e continua sendo essencial a ampla participação de todos os setores que vivem a educação brasileira, de maneira coletiva e democrática, em cada escola, cidade e Estado, inclusive retomando as conferências de educação. Só assim retomaremos a construção de uma real educação pública, gratuita e de qualidade, o NEM não fez e não faz parte disso. Revogação já.
Thiago Modenesi
É professor Universitário, Historiador,
Pedagogo e editor na Editora Quadriculando.