Decisão da Rússia deve piorar a insegurança alimentar e prejudicar milhões de pessoas vulneráveis em todo o mundo, disse porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, em comunicado
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Os preços do trigo e do milho nos mercados globais de commodities estão em alta nesta segunda-feira (17) depois que a Rússia desistiu do acordo que permitia a exportação de grãos da Ucrânia.
O colapso do pacto ameaça elevar os preços dos alimentos para os consumidores em todo o mundo, o que pode levar milhões à fome.
A Casa Branca disse que o acordo foi “crucial” para reduzir os preços dos alimentos em todo o mundo, que dispararam depois que a Rússia invadiu a Ucrânia em fevereiro do ano passado.
“A decisão da Rússia de suspender a participação na Iniciativa de Grãos do Mar Negro piorará a insegurança alimentar e prejudicará milhões de pessoas vulneráveis em todo o mundo”, disse Adam Hodge, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, em comunicado.
Os contratos futuros de trigo na Bolsa de Comércio de Chicago saltaram 2,7%, para US$ 6,80 o alqueire, e os contratos futuros de milho subiram 0,94%, para US$ 5,11 o alqueire, pois os comerciantes temiam uma iminente crise de oferta dos alimentos básicos.
No entanto, os preços do trigo ainda caíram 52% em relação à alta histórica de março de 2022, após a invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia, e os preços do milho estão 38% mais baixos do que em abril de 2022, quando atingiram o maior nível em 10 anos.
O acordo do Mar Negro – originalmente intermediado pela Turquia e pelas Nações Unidas há um ano – garantiu a passagem segura de navios que transportam grãos dos portos ucranianos. O acordo foi definido para expirar às 17:00 ET de segunda-feira (meia-noite, horário local em Istambul, Kiev e Moscou).
Até agora, o acordo permitiu a exportação de quase 33 milhões de toneladas métricas de alimentos pelos portos ucranianos, segundo dados da ONU .
O acordo foi renovado três vezes, mas a Rússia repetidamente ameaçou desistir, argumentando que foi prejudicada na exportação de seus próprios produtos.
No fim de semana, o presidente russo, Vladimir Putin, indicou que não renovaria o pacto, dizendo que seu objetivo principal – fornecer grãos aos países necessitados — “não foi realizado”.
Impacto de longo alcance
O colapso do acordo provavelmente terá repercussões muito além da região.
Antes da guerra, a Ucrânia era o quinto maior exportador de trigo do mundo, respondendo por 10% das exportações, de acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
A Ucrânia está entre os três maiores exportadores mundiais de cevada, milho e óleo de colza, diz a Gro Intelligence, uma empresa de dados agrícolas. É também, de longe, o maior exportador de óleo de girassol, respondendo por 46% das exportações mundiais, segundo as Nações Unidas.
No ano passado, os choques econômicos que incluíram os impactos da guerra na Ucrânia e da pandemia foram os principais motivos da “insegurança alimentar aguda” em 27 países, afetando quase 84 milhões de pessoas, segundo relatório da Food Security Information Network, um banco de dados plataforma de partilha financiada pela União Europeia e pelos Estados Unidos.
O FSIN define insegurança alimentar aguda como a falta de alimentos suficientes a ponto de colocar em risco a vida ou o sustento da pessoa.
O Comitê Internacional de Resgate (IRC) disse em novembro que o colapso do acordo “atingiria mais aqueles que estão à beira da fome”. O alerta veio depois que Moscou suspendeu sua participação no pacto por vários dias após ataques de drones em Sevastopol, uma cidade portuária na Crimeia controlada pela Rússia.
O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, também disse na época que um rompimento do acordo transformaria uma “crise de acessibilidade [dos alimentos] em uma crise de disponibilidade” se os agricultores de todo o mundo não pudessem obter os fertilizantes necessários antes da temporada de plantio.
A Rússia é o maior fornecedor global de fertilizantes, segundo a Gro Intelligence. Como parte do acordo mais amplo, um acordo relacionado foi negociado para facilitar os embarques de fertilizantes e grãos russos.
Na semana passada, Shashwat Saraf, diretor regional de emergência para a África Oriental no IRC, pediu uma extensão de longo prazo do acordo para criar “previsibilidade e estabilidade” para a região, que perdeu grandes quantidades de colheitas por causa da seca e das inundações.
“Com aproximadamente 80% dos grãos da África Oriental sendo exportados da Rússia e da Ucrânia, mais de 50 milhões de pessoas na África Oriental estão passando fome e os preços dos alimentos dispararam quase 40% este ano”, disse Saraf, em um comunicado.
Preço dos alimentos
O índice global de preços de alimentos calculado pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação atingiu o máximo histórico em março de 2022, mas caiu constantemente desde então. Uma queda nas exportações de alimentos causada pela saída da Rússia do acordo pode reverter essa tendência.
As nações mais ricas estão menos expostas às consequências do que alguns países do Oriente Médio e da África, disse Caroline Bain, economista-chefe de commodities da Capital Economics, à CNN.
“Um aumento renovado nos preços das commodities agrícolas obviamente aumentaria os preços dos alimentos no varejo, mas talvez não tanto quanto você pensa, principalmente nas economias desenvolvidas”, disse ela.
“Existem tantos custos ao longo do caminho do trigo até o pão, incluindo transporte, processamento, embalagem, mão de obra”, disse ela, acrescentando que os preços da energia foram um grande impulsionador da inflação dos preços dos alimentos.
Zelensky disse Ucrânia não tem tempo ou força para atacar territórios russo
Foto: EPA
Por que a Ucrânia não ataca território da Rússia? A BBC News Brasil resume aqui a resposta a esta pergunta-chave sobre a guerra.
O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, disse que a Ucrânia não pretende atacar território russo e argumentou que o país não tem tempo ou recursos para fazer isso. A contraofensiva da Ucrânia tem como alvo, segundo ele, áreas “ocupadas ilegalmente” pela Rússia.
“Nós não atacamos o território russo, nós libertamos nosso próprio território legítimo”, disse Zelensky durante viagem à Alemanha em maio. “Não temos tempo nem força (para atacar a Rússia). E também não temos armas de sobra, com as quais poderíamos fazer isso.”
“Estamos preparando um contra-ataque às áreas ocupadas ilegalmente com base em nossas fronteiras legítimas definidas constitucionalmente, reconhecidas internacionalmente.”
Desde fevereiro de 2022, quando a Rússia invadiu a Ucrânia, a guerra tem sido marcada por ataques e conquistas russas de partes do território da Ucrânia — sobretudo no leste e sul do país.
No campo de batalha, a Ucrânia conseguiu retomar parte dos territórios que estavam sob controle russo e impedir que as tropas de Moscou avancem para a capital Kiev e para o oeste do país. Mas não houve ataques significativos da Ucrânia ao território russo. Alguns ataques esporádicos foram relatados em território russo, mas a Ucrânia sempre negou qualquer envolvimento com eles.
Em maio, o jornal americano Washington Post afirmou que documentos de inteligência dos Estados Unidos diziam que a Ucrânia pretendia capturar áreas da Rússia como parte de sua contraofensiva. Esses territórios serviriam de barganha para a Ucrânia em eventuais negociações de paz.
A Ucrânia, no entanto, negou essa intenção.
A contraofensiva da Ucrânia — a operação especial anunciada pelas autoridades como reação à invasão russa — está em estágios iniciais. Por enquanto, há sinais de que a Ucrânia pretende defender e retomar seu próprio território, como declarou Zelensky.
“Se a Ucrânia conseguir dividir o território em duas partes e conseguir manter o terreno que recuperou, sua ofensiva terá sido bem-sucedida”, diz Gardner. “Isso isolaria as tropas russas no oeste e dificultaria o reabastecimento da Crimeia.
Por que o governo russo recorre a grupos privados de combate?
Foto: Stringer/AFP
Nos últimos dias, o Grupo Wagner surpreendeu o mundo ao se rebelar contra o governo russo, levantando questões sobre a presença de exércitos privados, conhecidos como mercenários. Mas afinal, por que esses grupos existem e qual é o seu propósito?
Especialistas apontam que o aumento do número de tropas mercenárias está ligado ao desejo do Kremlin de recrutar um grande contingente de combatentes sem ter que realizar mobilizações oficiais. “Atualmente, a Rússia é um Estado mobilizado em todos os níveis. Nesse contexto, há uma necessidade urgente de treinar combatentes, e Putin quer fazer isso sem recrutas ou mobilizações adicionais”, explica Mark Galeotti, historiador e fundador da empresa de consultoria Mayak Intelligence, com sede em Londres.
De fato, há ordens para recrutar voluntários de várias maneiras, incluindo o apoio de órgãos públicos e privados com recursos financeiros para mobilizar pessoas, afirma um ex-alto funcionário russo citado pelo Financial Times.
Além disso, financiar essas estruturas é uma maneira para oligarcas e corporações demonstrarem sua lealdade ao Kremlin. Em setembro de 2022, Putin se reuniu em segredo com representantes de grandes empresas, sugerindo que mobilizassem e financiassem voluntários para irem à Ucrânia. Essa informação foi relatada por Olga Romanova, líder da organização não governamental Rus Sidyashchaia (Rússia atrás das grades), que teve que deixar a Rússia há alguns anos.
Segundo fontes do Meduza, esse recrutamento é visto como uma forma de mobilização encoberta. A linha entre as tropas mercenárias, o exército regular e os “voluntários” na guerra da Ucrânia é bastante tênue, conforme apontam os entrevistados.
Esses insights revelam a complexidade por trás dos grupos mercenários na Rússia e os motivos pelos quais eles desempenham um papel significativo em operações militares.